Algumas considerações #10

Acabei de ler A divina comédia. Realmente, o clímax não está na visão direta e fulgurosa de Deus, foco intenso de luz que se transmuta, transmutando a visão do contemplador. Quanto mais vemos diretamente Deus, mais queremos vê-lo. Umberto Eco quem diz que, para Dante, Deus é uma biblioteca, já que é onde/em quem/em que se vê, direta e sinopticamente, a essência, o acidente e sua união. E bem como uma biblioteca, esse Deus é bem desinteressante em si mesmo. É justamente por isso que o Inferno e o Purgatório são bem mais — não digo interessantes, mas mais “facilmente” gostáveis. Já que não há nada de fácil em Dante. Mas o movimento dos últimos tercetos ressoa ao movimento de volta à caverna. Deus lança Dante para outras coisas, um relâmpago o demove de uma simples e eterna contemplação, destinada aos mortos do paraíso, já que os outros mortos estão ainda trabalhando na expiação ou no castigo. A contrapartida perfeito do paraíso é o limbo. Não há mais esperança além do juízo final, ou seja, não há mais nada a se fazer. Mas isso me lança para a reflexão do valor da contemplação. Sempre pensei que contemplação é ação. No entanto, para que a contemplação? para que a ação? Para que subir de hierarquia? Para que a elevação? Clique e continue a leitura

Amar se aprende inquietando-se

O CONCEITO DE INQUIETAÇÃO¹

“Antônio atento às áreas de silêncio entre as palavras,
nelas distinguindo a misteriosa ressonância
do inexprimível afinal expressado, […]”

(ANDRADE, 1987:47)

A partir das obras de Drummond compostas em determinada época, a saber, de 1935 até 1959, Antônio Cândido tenta traçar as múltiplas facetas das linhas de fuga que ele denomina inquietação. Essas linhas de fuga são tentativas do autor de pensar o mundo através de vários segmentos, do subjetivo, em “José” e “Rosa do Povo”, até o global, em “Sentimendo do Mundo”, como traça o autor.

Continue a ler. O texto é bem chatinho, pois tem um cunho muito acadêmico, mas é que foi um trabalho de teoria literária III que tive de fazer.

Jean-Paul Février fala Sobre a Filosofia da Diferença e Sua Irredutibilidade em Relação a Um Ideal Orgíaco Pós-modernista

Prelúdio Poético-filosófico a Uma Mentira: o Traidor e a Consciência Feliz

Bom, resolvi contar-lhes uma mentira; a saber: esta entrevista que nunca acontece e que, no entanto existe, segundo uma certa lógica que é a do pensamento que ela mobiliza em sua mentira fundamental. Trata-se de uma brincadeira, de um jogo de verdades sombrias ou de um baile de máscaras onde, para a surpresa de qualquer curioso incauto, só há mascara por detrás de máscara, “o segredo é que não há segredo”. Há, igualmente, um quê de traição; e assim faz-se uma comédia: finjo ser quem não sou, ou antes, disfarço-me sob a máscara de um outro, de um estranho – um francês que não é francês, que nem mesmo escreve em francês, mas que fora aluno e orientando do Deleuze, escreveu um livro, consagrou-se como filósofo e viveu em Lyon (uma grande cidade francesa). A entrevista tem uma data que não passa de outra faceta da mentira e o entrevistador não passa de um disparate. Nada é o que aparenta ser, ou nada chega mesmo a ser – metamorfoses de Dioniso, o deus mascarado, o deus da multiplicidade. E aí este texto já se torna também uma tragédia. Eu, que vos escrevo, não sou mais do que minhas personagens fictícias; eu sou como eles, minha personalidade é uma máscara que não esconde uma essência, uma natureza, mas dá testemunho de uma verdade cintilante: não há essência ou natureza a ser revelada. Tudo o que há para ver encontra-se na superfície das máscaras sobrepostas, “o mais profundo é a pele”. Quem sou eu? Não importa! Só o devir conta, afinal.

 

 

Jean-Paul Février fala Sobre a Filosofia da Diferença e Sua Irredutibilidade em Relação a Um Ideal Orgíaco Pós-modernista1

 

 

Pierre: O senhor buscou sempre enfatizar que suas pesquisas giram em torno de um conceito como o de Diferença, tal como Deleuze, que foi também seu professor e orientador, o concebia. Todavia, alguns críticos vêem no senhor a marca de um desvio: haveria, aí, uma aproximação perigosa entre a filosofia da diferença e o pós-modernismo. A que se deve tal desvio (se é que se trata de um)?

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Como a Pós-modernidade Destruiu o Humor: Do Rir do Poder ao Rir com o Poder

Crítica de Nietzsche à Pós-modernidade

Chegou o tempo para que o homem se fixe em um objetivo. Chegou o tempo para que o homem semeie o germe de sua mais elevada esperança. Para isso, seu solo é ainda bastante rico. Mas um dia pobre e árido será esse terreno e nele já não poderá germinar nenhuma grande árvore. […] é preciso ter ainda um caos dentro de si para gerar uma estrela que dança. Isso vos digo: tende ainda um caos dentro de vós. Ai, aproxima-se o tempo em que o homem já não conseguirá gerar estrela alguma. Aproxima-se o tempo do mais desprezível dos homens, daquele que já não pode se desprezar a si mesmo. […] Já não se sente necessidade de ser pobre ou rico. São duas coisas demasiado penosas. Quem quererá ainda governar? Quem quererá ainda obedecer? São duas coisas por demais penosas. Nenhum pastor e um só rebanho. Todos querem a mesma coisa, todos são iguais.” (NETZSCHE, p. 21-22)

 

Como a Pós-modernidade Destruiu o Humor: Do Rir do Poder ao Rir com o Poder


Livremos-nos, antes de darmos início ao tema, de um mal entendido capaz de dificultar a compreensão do que estará sendo dito: quando falo em poder, não me remeto a uma concepção dita tradicional ou jurídica de poder (o poder entendido como soberania, atrelado ao Estado) nem de uma concepção marxista (o poder entendido como possuindo um caráter unicamente repressivo). Trata-se, afinal, de evidenciar a leitura foucaultiana que faço do poder. Ora, como é sabido, o poder em Foucault não é aquilo que se encontraria concentrado no Estado como sendo o seu objeto e produto exclusivo; tampouco é tão-somente o efeito de uma repressão que incide sobre os indivíduos. Isso significa pensar o poder sob o ponto de vista de uma negatividade irremediável, o que não é verdade. Outro ponto: o poder também não é pensado como um objeto do qual um grupo de indivíduos (uma classe ou um partido) ou um único indivíduo (o patrão) teria posse, o que significaria, em outras palavras, pensar o poder como relacional; em suma: o poder é ação, possuindo também um caráter micrológico e positivo. Daí que Foucault permitir-se-á falar em termos de relações de poder (postura absolutamente nietzscheana) e não em termos de titulação (no caso do marxismo: a burguesia como sendo a classe titular do poder).

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Pensamentos aleatórios #26

Já não era sem tempo.

Do relacionamento e disputa entre personalidades fortes

Tudo começa no ano da era comum de número 2010 – 4 horas antes do amanhecer, estou sentado na frente da máquina maligna observando as lâmpadas que ascendem e apagam, formando caracteres de uma estranha língua tupiniquim.

A  máquina maligna entoa um cântico tribal com trombones, pianos e um negro de notoriedade mundial, cujas faixas musicais já receberam uma versão de uma desconhecida banda do novo mundo chamada ‘ramones’ e cujo nome da canção em si eu já não me lembro, preciso das minhas vitaminas para reavivar meu velho espírito e minha memória.

Confesso que não estou entediado ao ler seu texto, Cure