Contra o instinto de rebanho

Contra o instinto de rebanho – Todo homem é de uma natureza distinta, superior; um tipo altivo, que está – que deve estar para a preservação de seu tipo – para além de toda a canalha, não deve jamais se enganar quanto ao caráter pernicioso do elogio, da bajulação; sejam eles [elogio e bajulação] poucos ou muitos, deve-se suspeitar. Mas por quê? Ora, o homem superior afirma a si mesmo e põe em si mesmo seu centro de gravidade. Aquele que procura elogios, que quer ser elogiado – e só terá certeza de seu tipo após receber esses elogios, após receber a aprovação do rebanho -, é um tipo decadente. Não há nada mais contrário à uma moral nobre do que o instinto de rebanho que se esconde por detrás de toda necessidade interior de elogios, de bajuladores. “Por todos os lados procurei partidários, mas não os encontrei; seria eu realmente grande, então?” assim fala o decadente par excellence. É verdade que todos nós temos direito a nossos detratores e discípulos, apreciadores, mas que não sejam eles o motivo pelo qual sentimos em nós a grandiosidade, a altura do nosso espírito ímpar. O homem nobre deve dizer “eu sou bom”, “eu sou superior”, e jamais buscar nos outros aquilo que ele deve procurar e encontrar em si mesmo – somente em si mesmo. Assim fala, pois, toda sabedoria superior.

O Macaco de Zaratustra

Hoje, enquanto contemplava minha modesta coleção de livros, senti necessidade de revisitar algum texto de Nietzsche. Peguei logo o Zaratustra e o abri de maneira aleatória. Deparei-me com o capítulo intitulado De Passagem, e comecei a lê-lo, ao mesmo tempo em que me recordava da primeira vez que o havia lido. Notei tão logo me debrucei por sobre o escrito, que eu havia deixado algo passar na primeira vez em que o li – deixei passar o essencial. Livros como Zaratustra requerem sempre uma segunda, um terceira e até mesmo uma quarta leitura para que seja possível beber o máximo. Seria mesmo preciso que eu pegasse o livro e o lesse, mas livre do entusiasmo débil e da velocidade exacerbada com que os jovens de meu tempo costumam fazer toda e qualquer coisa: comer demasiado rápido prejudica a digestão. E passar rápido demais nos faz perder boa parte da paisagem.

O capítulo se inicia quando Zaratustra, ao chegar à porta de uma grande cidade, é surpreendido por um louco feroz, vituperando-se contra toda a cidade. Ele também buscava, em meio aos insultos que lançava, alertar Zaratustra do que ele iria encontrar caso entrasse em tal cidade. O povo da cidade o chamava de “macaco de Zaratustra”, porque “imitava um tanto a forma e a cadência de sua frase e se deliciava também em explorar o tesouro de sua sabedoria” [Assim Falava Zaratustra – pág. 159]. Dizia o louco à Zaratustra coisas do tipo: “Aqui corre sangue pútrido, pobre e espumoso, por todas as veias. Cospe sobre a grande cidade, que é o grande depósito onde se acumulam todos os detritos. Cospe sobre a cidade das almas deprimidas e dos peitos encovados, dos olhos penetrantes e dos dedos viscosos, sobre esta cidade de importunos e impertinentes, de escritorezinhos e de palradores, de ambiciosos exasperados, sobre a cidade onde se reúne o carcomido, cariado, lascivo, sombrio, putrefato, purulento, clandestino, cospe sobre a grande cidade e retorna sobre teus passos!” [Assim Falava Zaratustra – pág. 161]. Mas Zaratustra, depois de ouvi-lo por certo tempo, tomou uma atitude inusitada: tapou-lhe a boca e exigiu que se calasse. Para o desagrado do louco, Zaratustra o repreendeu, igualando-o à decadente cidade.

Por que Zaratustra não corroborou com o discurso enfurecido do louco? Clique e continue