Ambiência

            Verão febril, visões turvas, o escuro pintado em calor, o cheiro de frio, o gosto de suor na boca. Às nove da noite levanto; a casa completamente escura, já que durmo desde sabe-se lá quando; o instinto inicial é o de olhar no relógio e procurar as horas, por conseguinte, olhar pela janela e procurar justamente a tua. Como uma caixa de pandora, abro a janela – e junto com ela, meu coração – e se abebera do meu corpo e sua extensão animista a brisa de verão. Aos poucos o coração esfria, o gosto de febre na boca se mistura com o oxigênio e com o gosto dos seus lábios; lentamente me aproximo movendo-me com as mãos e joelhos no chão, te olhando por cima dos olhos e caminhando pelo tapete do quarto, te espreito pelo parapeito; neste exato momento sou o seu abismo e você o meu céu, mas a situação logo muda. Lentamente subo as paredes da sua cama, quase tocando as curvas, os seios como olhos que hipnotizam; o caminho que seguindo com os olhos termina docilmente em uma de suas pernas cobrindo o tão cobiçado local. Sopra o vento outra vez, cada vez sentindo-me mais dentro já posso sentir na língua o seu corpo inteiro. O tronco e suas ramificações, o pescoço, o cabelo que se mistura com os olhos paralisados que me olham, arregalados; os ouvidos que, com seus pelinhos, arrepiam-se e ficam atentos para o vento que sopra e os buchichos da cidade, quiçá os murmúrios que se perdem nesse quarto. Aos poucos a febre se perde nas noções básicas, já não sei mais se estou dentro ou fora, se estou em cima ou embaixo; perco-me completamente em sua anatomia. Calmamente as sombras se desenham para baixo, para cima, flutuamos e num piscar de olhos estamos no teto, transando de ponta-cabeça o telhado se desfaz; as estrelas se aproximam e num piscar de olhos, desperto.

Nove da noite, trinta e nove graus de febre. Você nunca mais voltou para a janela do sexto andar.

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